sábado, 15 de outubro de 2011

O azulzinho que amava (David Coimbra)


Gosto demais dos textos de David Coimbra, pois, além dele ser um pessoa muito inteligente, a patrulha do politicamente correto não o atingiu. 

No caso do texto abaixo, a história foi engraçada. Estava folhando o jornal e vi a resolução do caso do azulzinho que foi demitido após mandar um mensagem para um menina abordada em um blitz. Lendo a reportagem pensei: No Brasil a coisa tá feia mesmo. O cara manda um mensagem com nenhum conteúdo ofensivo, a "vitima" leva isso a justiça e aos jornais, e o cara acaba sendo demitido. Confesso que ele errou, mas na minha concepção ele não fez nada demais. Mas como a turma do politicamente correto no Brasil não dorme nunca, ta ai o resultado. Ai, pensando nisso e folhando o jornal, chego ao texto de David Coimbra na sessão de esportes falando exatamente disso. Por isso resolvi publicar.


Vale a pena a leitura!


O azulzinho que amava

Um azulzinho também tem direito ao amor. Mas aquele triste azulzinho apaixonado, o que aconteceu com ele? Foi execrado publicamente, foi perseguido até pelo Poder Legislativo e, por fim, foi demitido.

Por quê?

Porque um dia amou.

Você sabe o que ocorreu: dias atrás, uma moça foi parada por uma blitz na Zona Sul de Porto Alegre, recusou-se a fazer o teste do bafômetro e os agentes da EPTC a autuaram. Horas depois, recebeu uma mensagem no celular. Não era nada agressivo, não havia nenhuma proposta indecorosa, embora houvesse erros gramaticais. Era o azulzinho pedindo seus contatos para que se comunicassem por MSN ou Facebook ou Orkut. Mesmo assim ela se revoltou, denunciou-o, o caso parou nas páginas dos jornais, foi discutido com fervor na Câmara dos Vereadores e o azulzinho viu-se atirado à sarjeta dos desempregados.

Fico pensando: se ela tivesse se sentido atraída pelo azulzinho, se o azulzinho fosse um Brad, se os bíceps do azulzinho tivessem 40 centímetros de diâmetro, será que ela se ofenderia com o assédio?

Para você ver como tudo depende do lado em que se está. Temos o hábito de só olhar o mundo do nosso ponto de vista, de explicar o jogo a partir do nosso time e nunca analisar o poderio do adversário.

O infausto azulzinho, ao que tudo indica, enamorou-se da motorista. Ela relatou que, durante a operação, ele não desviava o olhar do seu decote. Suponho que fosse um decote profundo e ornamentado com graça por belo colo. Suponho que a visão o tenha encantado de tal forma que ele não conseguia pensar em mais nada. Os carros passavam a 120 por hora, os motoristas bêbados gargalhavam pela avenida acenando com suas garrafas de pinga pela janela, e o azulzinho nem os via. Só suspirava e sorria, pensando na linda infratora e no vale do seu decote. Então, não resistiu. Valeu-se de informações privilegiadas e enviou um torpedo. Sonhava com um romance, sonhava quiçá com uma casa com cerquinha branca e filhos correndo no quintal. Sonhava com o amor.

Mas não.

Não foi assim que ela entendeu. Ela se sentiu ofendida, em vez de sentir-se envaidecida. E o mundo do azulzinho veio abaixo.

Então agora é assim. Não se pode mais assediar as mulheres. Não se pode mais fazer a corte. Não há mais como entabular relacionamentos. Não há mais como crescer e reproduzir.

É isso? Ou ela aceitaria o assédio se o azulzinho fosse um Brad? Realmente, temos dificuldade de olhar a partir do ponto de vista do outro. Temos dificuldade de entender que do outro lado do campo há um adversário com idêntica vontade de vencer. Como é difícil o mundo do amor irrealizado. Como é difícil não ser um Brad.

Nenhum comentário:

Postar um comentário